Who Farted? - O Blog.

O Who Farted é meu blog infame de conteúdo absolutamente pessoal e intransferível, no qual publico pequenos pensamentos de filosofia nonsense de boteco e pequenas fantasias de realidade fantástica (ficção), reflexões insanas e fartológicas.

Aqui solto meus fantasmas e exponho livres pontos de vista sobre um universo maluco que me cerca.

Who Farted é meu psicanalista, meu diário, minha carta aberta a meus amigos e amigas.

05 abril 2017

Pequenas Memórias Remotas Vulgares


"Decifre-me, ou não me devoras - dizia aquele olhar endiabrado da esfinge que se escondia em atitudes de menina. Havia nela uma única escorregada de olhar, que apenas uma vez a cada ciclo lunar, abriria todas as portas para a alma corajosa que dentro dela se escondia.

Havia meses, eu perseguia insistentemente um destes olhares, entre quatro paredes.

Foi naquela tarde comum, que em nada se mostrava perfeita ou favorável para meus discretos atos de sedução, quando ela invadiu meu quarto, como sempre fazia, sem avisar, já se comportando de forma que velava todo e qualquer pensamento maldito que eu pudesse se quer imaginar ter. Foi assim mesmo, confuso desta forma, que eu os tinha - os pensamentos.

Meu olfato, muito seletivo, percebia o cheiro enebriante que saia de seu pescoço, naquele pedacinho perdido pouco abaixo da orelha, escondido e curtido pelos cabelos quase longos. Era o perfume da ilusão, que me deixava alerta e me fazia observador, tanto quanto inventivo e meio bobo.

Decifrar? Ainda me pergunto se o que a incomodaria mais seria o fato de eu enxergar tudo, o fato de eu desejar, ou o mistério que me fazia não tomar nenhuma atitude em cada último segundo.

Mas naquela tardinha quente, diferente de todas as outras, assim que a vi entrar, me levantei da cadeira onde estava sentado, no mesmo ritmo de suas passadas, a peguei no colo sem explicar muita coisa, como se sempre fôssemos apenas amantes, e a deitei gentilmente na cama, para logo depois deitar a seu lado - para nada de mais, apenas para observar de perto, provocá-la.

E enquanto usava como desculpa puxá-la para mais perto, olhando em seus olhos, eu a decifrava mais um pouco naquele dia quase comum.

Havia naquele momento uma disputa franca entre seus desejos mais inconfessáveis e sua necessidade de afirmar suas verdades, suas posturas, suas opções de vida. É fato legítimo que é mais fácil manejar, controlar, aquilo que não nos afeta emocionalmente.

Eu era o erro de perceber que havia mais, escondido em tantos pensamentos enterrados, do que ela mesma gostaria de lembrar de si mesma. De todos os desejos que ela pudesse ter, de todas as suas curiosidades da vida, eu era aquele que poderia arrastá-la para mais longe, e nem de longe, ainda assim, eu era o seu maior desejo - apenas o mais perigoso e inconfessável.

Mesmo assim, aquele cheiro de notas confortáveis me dizia que havia espaço pra mim naqueles devaneios. E foi num surto perdido de seus olhares incontrolados, que finalmente a beijei como deveria, não apenas saboreando a doçura de sua língua, mas roubando pequenas mordidas dos lábios que sempre me trouxeram desejos irreparáveis.

Enquanto a beijava, sabia que não havia certeza em nada, e que aquilo, para ela, havia sido um daqueles saltos impensados, de cima de um penhasco, num lago de profundidade obscura.

Eu sempre cometi o erro de pedir que ela confiasse em mim. Talvez, justamente, o que ela desejasse fosse mesmo não confiar, não saber aonde eu a poderia levar. Mas se eu não cometesse sempre os mesmos erros, não me reconheceria.

Enquanto aproveitava aquele silêncio de cumplicidade típico das ressacas de beijo, aproveitando que estava perto de seu ouvido, comecei a lhe contar alguns segredos falsos. Ela, entre curtas risadas safadas, tentava me persuadir, confesso que sem demonstrar nenhuma convicção, a deixar aquilo tudo pra depois.

E eu entendia que o depois era daquele minuto, o depois já era depois daquele mesmo agora."

(Página perdida do Diário Imaginário de Lady B. de 2016)