Who Farted? - O Blog.

O Who Farted é meu blog infame de conteúdo absolutamente pessoal e intransferível, no qual publico pequenos pensamentos de filosofia nonsense de boteco e pequenas fantasias de realidade fantástica (ficção), reflexões insanas e fartológicas.

Aqui solto meus fantasmas e exponho livres pontos de vista sobre um universo maluco que me cerca.

Who Farted é meu psicanalista, meu diário, minha carta aberta a meus amigos e amigas.

01 janeiro 2011

Ainda, Ainda Mais dos Anos 80



Como morador dos anos 80, não parecia naquele tempo que o Rock brasileiro feito na época seria completamente incompreendido pelas gerações seguintes.

Sempre é estranho, me repetindo aqui neste blog, quando alguém conecta a cultura dos anos 80 apenas à cena Cassino do Chacrinha.

Poucos (ainda que o façam) param pra lembrar, pelo menos, que na época tínhamos o Perdidos na Noite, programa underground apresentado pelo Faustão nas madrugadas da Bandeirantes, que tinha uma audiência tão grande, que acabou o levando para assumir esta posição estranha em que se encontra até hoje, aos Domingos na Globo.

Temos de lembrar que o Faustão era genial e leve... Era a referência da contracultura da época.

E no Perdidos na Noite, surgiam bandas como Ultraje a Rigor, Zero, Gang 90 (se eu não estiver enganado).

Também, em SP tinha a TV MIX, já pelo final dos 80 início dos 90, uma espécie de pré-MTV, que tomava todo o tempo da TV Gazeta com uma programação ao mesmo tempo tosca e criativa, comandada por Astrid (aquela da MTV) e Serginho Groisman, no qual se via em começo de carreira gente como Lenine e Sepultura.

Veja este video com a história completa da coisa.

Nos anos 80, tínhamos a sorte (pelo menos em SP) de ouvir nas rádios um montão de Rock bom. E tivemos o Rock'n'Rio, na cidade vizinha!

Sucesso de FM naquela época era Yes, Van Hallen, Paul McCartney, Tina Turner, Direstraits...ôooaaaa... Bora parar por aqui pra não humilhar.

Mas fazer Rock no Brasil era algo estranho, pois importar uma guitarra Fender era crime federal. Para ter instrumento de qualidade era necessário pagar um contrabandista, e tomar cuidado para que ao tocar, a polícia não prendesse tua guitarra, teu baixo (mas isso nunca acontecia).

Os instrumentos brasileiros eram caros e ruins.

Estávamos saindo lentamente de uma ditadura à brasileira, do tipo que faz generais serem fãs e amigos de caras como Caetano e Gil, mas ao mesmo tempo mandá-los para a tortura caso falassem merda.

As letras a que estávamos acostumados (na MPB) eram letras engajadas. Os sons, muito carregados, muito tensos, politizados, sempre com jeitão de quem estava dizendo algo muito importante de forma subliminar.

Quando o Rock ressurgiu no Brasil, foi como um grito de liberdade estética e contextual.

Era como dizer "vamos tirar umas férias pra curtir e falar da vida do nosso jeito!".

Mas não se engane, rock brasileiro dos anos 80 era ácido e crítico. Assim como os sisudos MPBistas, a molecada da época contestava tudo e todos. Mas traziam uma inteligência mais refinada, uptodate, nas letras e nos conceitos de estética.

Imagina que nos anos 80 o maior hit do Rock, ainda em plena ditadura era "Inútil" do Ultraje a Rigor, que na época vendeu mais que Roberto Carlos e falava que "a gente não sabemos escolher presidente, a gente não consegue tomar conta da gente, a gente somos inútil", numa crítica clara a um governo que não deixava o povo ir às eleições, como se a população fosse burra de mais para isto e precisasse da proteção de um estado militar.

Naquele tempo não se falava de "Naturieza" e "Faviela". Os temas eram existencialistas, discutiam o mundo a partir de aspectos psicológicos e tirações cínicas da vida cotidiana, liberdade cultural.

Musicalmente, os anos 80 eram como os anos 70, só que com uma liberdade musical ilimitada, e novas possibilidades de recursos de gravação e instrumentação. Você podia ser leve ou pesado, podia ser bluesy ou completamente frio, podia ser alegrinho ou tristinho.

No exterior, aconteciam na mesma época AC/DC e Sex Pistols, Depeche Mode e Stray Cats, Cindy Lauper e DEVO. No Brasil, não era diferente.

A segunda metade da década também teve uma cena independente forte, que tocava nas rádios.

Artistas como a moçada da cena de brasília (Paralamas, Legião, Capital Inicial, Plebe Rude), todas bandas extremamente contestadoras se comparados aos padrões atuais, eram estupidamente influenciadas pelas bandas da cena paulista independente, gente como Voluntários da Pátria, Zero, Finis Africae, Violeta de Outono, Cabine C.

O Capital Inicial chegou mesmo a gravar a música "Fátima" do Finis Africae em seu disco de estreia.

Nesta época, enquanto a TV Globo dava bastante cartaz para a cena carioca (Lulu Santos, Barão Vermelho, etc), o Brasil fervia pelos undergrounds com vinis gravados com dinheiro juntado em shows, e vendidos nas galerias do rock (como em SP na 24 de Maio, onde também ficava a sede da gravadora independente Baratos Afins).

Considere o fato de que na época não havia Internet para divulgar bandas, gravar era uma tarefa bem mais cara e analógica do que nos dias de hoje, e divulgar era uma tarefa árdua, que por vezes avançava pelo mainstream, como quando se conseguiam críticas de discos independentes em plena revista BIZZ.

Era também o começo das produções caseiras, que na época aconteciam com equipamentos state of art: Gravadores da marca Tascam que conseguiam dividir uma fita cassete caseira em até 16 pistas (pasmem!), mas que com qualidade mesmo a gente só podia apostar nos de 4 pistas.

Eram os chamados Home Studios.

A banda paulista Fellini (video acima) gravou uns 3 discos em casa, desta forma.

E tinha gente que fazia milagres com estes equipamentos e tiravam gravações muito profissionais, equiparadas aos grandes estúdios.

Ah... Mas falei que não tinha Internet, nem Myspace, nem CD-Rs?

Pois é... Pra divulgar, tinha que levar uma fita de rolo de 1/4 de polegada para as rádios que abriam espaço, e mandar fazer um montão de fitinhas cassete (as famosas Fitas Demo). Custava bem mais caro do que hoje.

Em São Paulo, quem tocava as fitas demo era a rádio 89FM, e a Brasil 2000, mas também surgiam pequenos espaços na Jovem Pan, Transamérica e Universitária. No Rio, tinha a Fluminense e mais duas rádios também que esqueci o nome.

Mas dito tudo isto, é preciso dizer que na época se fez muita música boa, e que havia bandas de todo o Brasil fazendo uma música instigante e contestadora, algumas vezes cheias de um humor jocoso próprio da época (como Gang 90) que dificilmente seria compreendido hoje em dia, outras mais diretas e agressivas como o De Falla (RS), que já se parecia bastante com o Rock mundial, tinha jeitão de banda gringa.

As gravações muitas vezes eram toscas, usavam recursos novos para a época como a gravação de trilhas em MIDI (uma faixa que você gravava na fita, e quando tocada controlava uma série de teclados e drum machines sincronizados com faixas gravadas ao vivo, que podiam ser "gravados digitalmente", tocados manualmente e registrados por informações binárias, como se fosse uma caixinha de música, mas sem a inclusão da dinâmica do toque, força, dada em cada tecla ou peça de bateria) ou podiam ser simplesmente programados em planilhas eletrônicas e sequencers embutidos em cada equipamento.

O resultado, utilizando estes primeiros equipamentos era bem frio. Sem a emoção do músico. Ou você usava isso como parte de sua música (a frieza), ou tentava gravar com instrumentos normais, e apostava numa gravação mais fraquinha.

Estes recursos, muitas vezes, não eram usados por opção estética, mas porque era a forma de você gravar com qualidade melhor em Home Studios de 4 canais.

Explico.Você usava um canal pra a faixa MIDI que incluia tudo o que pudesse ser feito com sintetizadores, como baixo, teclados, bateria e percussão; e usava os outros 3 canais restantes para gravar guitarras e voz.

Quando tocado o master, toda a parte MIDI era tocada diretamente dos equipamentos (sintetizadores), e obtínhamos um resultado semelhante à gravação digital (sem ruídos) nestas faixas, compensando o extremo ruído das 3 faixas analógicas gravadas na fitinha cassete.

Ponha neste caldeirão de recursos as informações da cultura da época, coisas como sexo livre (e sem AIDS), culto à estética alternativa, a tendência ao experimentalismo.

Um dos maiores sucessos da Rede Globo era a série Armação Ilimitada, que quebrava os padrões estéticos da TV da época, e apresentava uma jornalista que dormia na cama com dois namorados surfistas (Juba e Lula) - e isto era voltado aos adolescentes. Era a nossa Malhação.

Claro, todas estas informações vêm apenas de minhas memórias, e podem ser encaixadas num espaço de tempo bastante grande, entre 1980 e 1988. Posso ter falhado em alguma contextualização, mas vale essa fotografia.

Agora, sabendo disto tudo que falei, tenta dar uma sacada nestes sons, e vê se consegue entender melhor...

São todas bandas que vêm sendo esquecidas pela mídia e pela história oficial da época.

Divirta-se! Este é o outro lado dos anos 80 no Brasil. Mas não se esqueça que na mesma época tínhamos o Ira, Ultraje, RPM, Titãs, etc.

Picassos Falsos
Violeta de Outono
DeFalla
Gueto
Gangue 90
Cabine C
Muzak
Finis Africae
Akira S e As Garotas Que Erraram
Vzyadoq Moe
Patife Band
Mercenárias
Os Replicantes
Coke-Luxe

Pesquise mais sobre cada um no Youtube, e sobre outras bandas da mesma época.

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